O terceiro dia de Entremuralhas (sábado, 26 de agosto) veio encerrar a oitava edição do festival gótico que este ano teve de enfrentar três cancelamentos, dois deles mesmo muito em cima da hora. À semelhança do dia anterior (sexta-feira, 25 de agosto) este último dia também foi um sucesso, tendo as atuações de Paulo Bragança e Atari Teenage Riot superado as expectativas dos muitos visitantes que sofreram com a retirada de nomes como Tuxedomoon e Darkher. Este dia de encerramento ficou igualmente marcado pelas despedidas de um público que eventualmente só se voltará a ver na próxima edição de festival gótico. O início estava marcado para as 18h00, como habitual e, além das exposições nos Paços Novos, havia concertos de estreia da sueca Nicole Sabouné (que tão elevadas expectativas deixou com a reedição de Miman (2017)) e dos canadianos e cabeças de cartaz Front Line Assembly, como principais atrações do dia. Na Igreja da Pena estava preparado ainda um ritual de abertura, a cargo dos catalães Àrnica, e um cocktail de encerramento, com os gregos Selofan.
A minha mãe bem me dizia que o que é bom não dura para sempre. Tão boa que foi esta oitava edição de Entremuralhas e tão depressa se chegou ao fim.
A minha mãe bem me dizia que o que é bom não dura para sempre. Tão boa que foi esta oitava edição de Entremuralhas e tão depressa se chegou ao fim.
Àrnica
Os catalães Àrnica ficaram responsáveis pela abertura do terceiro dia do Entremuralhas, na Igreja da Pena, para apresentarem a público o seu "ritual sonoro de reminiscências tribalistas" e fazer os expectadores ingressar numa viagem às tradições puristas do folclore primordial. No palco, a horas, e em formato trio os Àrnica fizeram ecoar por entre as ruínas da Igreja da Pena o seu "¡Leukade! ¡Leukade! ¡Leukade!" (retirado do novo Cabeza de Lobo (2017)), como tema de abertura. Através de um vestuário muito característico (camisas brancas + calças esverdeadas/vestido branco e um lenço/manta vermelho) e alguns "apetrechos" nos instrumentos utilizados, os Àrnica conseguiram criar uma sonoridade pura e orgânica e prender a atenção de todos os curiosos. Antes de "Monte Nublado", os dois membros masculinos dos Àrnica, que se apresentaram com máscaras retiraram-nas, para dar um trago de uma bebida "espirituosa" que guardavam nas suas garrafas ancestrais. Aproveitando a pausa para trocar de instrumentos, ouviram-se na Pena "Monte Nublado" e "Alzada Pétrea", enquanto se iam evocando desde os espíritos do "Castelo", dos bosques, as lendas licantrópicas e perpetuando as práticas ancestrais e pagãs.
Não sei se estava programado, ou não, mas no início de "Una Bestia Astada" juro que senti um cheiro muito característico a surgir pela Igreja da Pena (
Os Àrnica fizeram uma excelente abertura deste último dia de festival, alcançado notórios aplausos do lado do público, e surpreendendo o público pela sua sonoridade extremamente enriquecida, ao nível instrumental e composicional. A banda foi igualmente uma enorme surpresa para aqueles que, tal como eu, nunca antes os tinham visto ao vivo.
Selofan
Os Selofan, dupla composta por Dimitris Pavlidis e Joanna Badtrip, estavam de regresso ao país depois de em 2014 se terem estreado em Lisboa, na Caixa Económica Operária pel'A Comissão. Com novo disco na bagagem, Cine Romance (2017), além dos já lançados Στο Σκοτάδι (In The Darkness) (2016) e Tristesse (2015), os Selofan subiram a palco, já doze minutos depois da hora prevista, tendo recebido palmas de boas-vindas do público, que foram agradecidas com um simpático "thank you". A abrir concerto com "Schwarz" a performance dos Selofan prendeu, desde o início, a atenção dos espetadores pelo look irreverente e atitude teatral de Joanna Badtrip. Ainda a apresentar o disco Στο Σκοτάδι (In The Darkness), os gregos fazem "Nightclub" ecoar pelas ruínas do Castelo, enquanto Joanna Badtrip, além da voz, agarra num turíbulo com sininhos para complementar a prestação da música ao vivo (
"Romance" foi a primeira música de Cine Romance a ser apresentada no Castelo de Leiria, tendo-se seguido as já mais antigas "Fosforizo" e "A Whimper". Um dos grandes momentos do concerto ficou marcado pelo single "La industria del sexo", retirado do mais recente disco da banda. Após dizer que este seria o próximo tema a ouvir-se na Pena, Joanna Badtrip perguntou a nós, público, se já conhecíamos a referida música. Retórica ou não, Joanna deixou as interações de lado e dirigiu-se para perto do microfone colocando, à volta do seu pescoço, as luzes vermelhas que o enfeitavam. Dando uns passos de dança aqui e ali, a vocalista encerrou o tema com o pormenor "te quiero Portugal". Ouvem-se vários aplausos no palco e, de regresso ao xilofone, começam a tocar o já hit "Love Is a Mental Suicide". Ainda em apresentação de Cine Romance, Joanna Badtrip fez-se acompanhar do baixo de Dimitris Pavlidis e de uma peça de arte em forma de lagosta em "Shadowmen". Com o concerto já a aproximar-se do fim ouviram-se ainda no Castelo, "Snakes" (
A fechar a sua performance em grande os Selofan despediram-se com "The Wheels Of Love", que serviu para mandarem flores vermelhas para o público, como demonstração do seu amor pelo nosso Portugal. Joanna Badtrip acabou o concerto de sorriso rasgado na cara, avançando ainda com um "thanks a lot, enjoy the rest of this Castle's festival". Muitos aplausos no fim e estava assim encerrado o concerto e a temporada de música na Pena. Finalizado às 20h00 em ponto, entramos na hora de jantar.
Paulo Bragança
O cancelamento do concerto de Darkher no Entremuralhas foi uma das baixas mais custosas de toda esta edição de festival, ainda por cima tão em cima da hora, como aconteceu. Apesar de no dia 26 de agosto já vários dos festivaleiros se terem consciencializado que não ia haver ethereal dark no Alma, mas sim fado negro, o concerto do português Paulo Bragança, icónica figura do fado português nos anos 90 foi, ainda assim, recebido com muitos aplausos, apesar de pouco atendido.
Uma vez, numa entrevista ao Carlos Matos, que li na Ultraje (podem aceder aqui) o presidente da Fade In afirmou que o Fado era um dos géneros que em breve poderia vir a ingressar o cartaz do Entremuralhas. Aconteceu este ano, embora inesperadamente, e acabou por ser muito bem recebido pelo público. Afinal e, citando o presidente, "Existe sonoridade mais gótica que o Fado?".
Com início previsto para as 21h00, só às 21h15 cheguei ao Palco Alma para ver a endeusada e arrojada figura do fado underground português, Paulo Bragança. Acompanhado pela banda, que aproveitou para tocar a introdução do hino em formato guitarra, Paulo Bragança apresentava-se em palco descalço e vestido a rigor, para uma performance, por vezes teatral. A revisitar antigos temas, com destaque para "Mistérios do Fado" (já com um total de cinco músicos em palco), "Descalço" e "Soldado" e ainda a apresentar novos temas, nomeadamente "Lume Lume" - cujo fim foi aproveitado para a apresentação dos músicos que o acompanhavam - "Entre Dois Cigarros", "A Névoa", "Ultimatum" (nome ainda temporário) e as sucessivas canções que foram interpretadas até ao fim do concerto - Paulo Bragança conquistou quem o viu e soube surpreender todos aqueles que não conheciam bem a discografia, roubando ainda vários "Ah Fadista" do público, ao longo de todo o concerto. A fechar com "Dark Horse", Paulo Bragança despediu-se do público com vários "obrigado", um deles muito especial e dirigido à Fade In e ao seu presidente. Palmas ao alto e o concerto estava encerrado. Apontavam 22h10 no relógio.
Nicole Sabouné
A espera por Nicole Sabouné foi longa. Após a atuação de Paulo Bragança muitos mantiveram-se nos lugares da frente para poder ver a sueca mais de perto e, portanto, arranjar um lugar de luxo tornou-se uma tarefa hercúlea. Com concerto agendado para as 22h30 a banda de Nicole Sabouné subiu a palco já pelas 22h37 para iniciar o concerto com "The Body", malhão de abertura do reeditado Miman(2017). Com dois microfones, um casaco vermelho, saltos altos e um ar tímido, Nicole Sabouné mostrou ao público do Entremuralhas que a sua voz de timbre camaleónico não se fica pelo formato em estúdio. E que voz incrível caros leitores, não tem como esquecer o amor que se sente quando se a ouve cantar. A pegar na sua guitarra acústica Nicole Sabouné e banda fazem ouvir-se "Right Track" pelo Alma, começando também a surgir os primeiros braços no ar e os vocais secundários da baixista e do guitarrista Niklas Stenemo (vocalista dos Kite, que o ano passaram também tiveram a sua dose de Entremuralhas).
Entretanto (
Curiosamente não estava à espera que a Nicole Sabouné e banda tocassem a cover da "Frozen" da Madonna ao vivo, mas acabou mesmo por acontecer. Então assim já podia descartar certamente alguns dos singles que eu queria tanto que tocassem ao vivo como a "Haters Don't Dance" e possivelmente a "Conquer or Suffer". Mas música que não poderia faltar na setlist era a "Bleeding Faster" (
Atari Teenage Riot
Prontísismos para rebentar com o sistema de som do Entremuralhas, os Atari Teengae Riot entraram em palco, a horas, para prepararem o público para a sua filosofia revolucionária sobre a vida. Ainda estava eu cá atrás, perto da bancada da Fade In, quando se começou a ouvir o single "J1M1", bem amplificado, no Palco Corpo. A substituir os Tuxedomoon e em apresentação do mais recente trabalho de estúdio, Reset (2015) os Atari Teenage Riot trouxeram o seu digital hardcore até Leiria prontos para fazer história no Castelo. Com "Reset" a fazer-se ouvir nas colunas era tempo de avançar mais para a frente para dar uso à voz e ao corpo. Sempre a saltar (
Um dos momentos altos e icónicos deste concerto no Entremuralhas aconteceu com "Transducer". Os ânimos estavam tão elevados no Castelo de Leiria que aconteceu ali, durante uns segundos, um pré-moche entre o público central das filas da frente. (
Ouve-se "Activate!" entre o Palco Corpo e volta a sentir-se aquela energia contaminante entre o recinto. É para arrebentar tudo, afinal é o último dia do festival gótico que agora só se volta a repetir para o ano. Pena já só faltarem "Collapse Of History" e "We Are From The Internet" para se chegar ao fim do concerto. Muitos foram os gritos, palmas, assobios e todas as formas possíveis de chamar a atenção que os elementos do público usaram como argumento para tentar convencer os Atari Teenage Riot a voltar ao palco para o derradeiro final, com direito a encore. Nunca chegou a acontecer (
Front Line Assembly
A fechar o dia (e também a contagem das estreias em Portugal) os canadianos Front Line Assembly traziam ao Palco Corpo 31 anos de carreira e os seus também quase 30 discos de estúdio. Em palco às 01h33 e a abrir concerto com "Resist", os Front Line Assembly foram conseguindo, aos poucos, atrair o pessoal que se encontrava sentado nas laterais do Castelo (
A pedir ao público para bater palmas e levantar os braços, os Front Line Assembly alcançaram um enorme envolvimento dos espectadores em retorno, com vários assobios e gritos de "curtição", palmas e braços no ar durante a icónica "Plasticity" e a mais recente "Exhale". Depois de um concerto com imensa interação (
Ainda assim, ficaram muitos singles por ouvir
O terceiro e último dia desta oitava edição do festival Entremuralhas teve um total de seis concertos, e levou a palco 21 músicos. Foi o dia mais atendido dos três de festival e também o dia que serviu para fechar em grande o festival, com performances arrasadoras de Atari Teenage Riot e Front Line Assembly no Palco Corpo. Apesar dos cancelamentos que assolaram esta edição, como nunca antes tinha acontecido, o Entremuralhas 2017 foi, à semelhança das edições passadas, um sucesso e definitivamente melhor em termos de resultado final do que a edição anterior. A Fade In voltou, mais uma vez, a sublinhar que o seu profissionalismo é exímio e que, acima de tudo, nunca desilude os mais fiéis fãs.
Obrigada a todas as bandas que fizeram isto possível e a todo o público que veio e que, mesmo tendo de aguentar as intermináveis filas para as escassas wc's existentes, não perdeu as oportunidades de se afirmar. Foi lindo. Até para o ano!
Obrigada a todas as bandas que fizeram isto possível e a todo o público que veio e que, mesmo tendo de aguentar as intermináveis filas para as escassas wc's existentes, não perdeu as oportunidades de se afirmar. Foi lindo. Até para o ano!
Texto: Sónia Felizardo
Fotografia: Virgílio Santos
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