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[Review] Filho da Mãe - Água Má



Água Má // Lovers & Lollypops // Maio de 2018
8.5/10

Filho da Mãe já é um sedimento na música portuguesa - ao longo dos anos, o rio que Rui Carvalho evoca com a própria música criou o pós-hardcore dos If Lucy Fell, os caos acústicos de Palácio e Cabeça e o Mergulho no pouco convencional, não esquecendo ainda colaborações com artistas como Ricardo Martins. Apesar da jornada ter sido longa e variada, o guitarrista de Lisboa regressa à complexidade que usou para fazer o seu primeiro álbum a solo, Palácio, e infunde-lhe uma dose extra de americana e primitivismo.

Agua Má - o resultado de uma residência na Madeira - é já o quarto álbum de estúdio que Filho da Mãe edita em nome próprio em apenas 7 anos e revela-se como um exercício mais sóbrio sobre velhas tendências. Melodias e harmonias bem pensadas são reforçadas por uma produção minimal, em que as respirações que pautam e marcam o compasso humano de cada tema são tão musicais como a música em si. Rui Carvalho continua a impingir a sua impaciência musical nas pequenas variações que incute às frases que constrói à volta de cada tema, sendo possível, como sempre, respirar a mesma substância que certamente também terá inspirado Norberto Lobo, suada pelos grandes nomes da guitarra primitiva de John Fahey, Robbie Basho e Sandy Bull, entre outros.


Vera Marmelo ©
Surpreendentemente, a empunhar o típico instrumento mais cliché possível e a fazer apenas uso dele, Filho da Mãe consegue ser ainda dos artistas portugueses mais refrescantes da atualidade, não precisando de esquemas complexos ou de sonoridades caricatas para fazer render as 6 cordas que enchem salas e corações. Por todo o disco há uma sensibilidade musical característica, ressoando ao logo da primeira metade de Água . Somos levados por linhas orelhudas que, por breves instantes, se ausentam para abrirem desarmonias - um caso catedrático é "Não, não danço", com uma melodia quasi-pop, a tornar imprevisível a agradável sensação de estranheza que acordes mais dissonantes causam.

"Perseguição de bananas" marca a entrada no lado mais ambicioso do disco. Abandona-se o pop mas retém-se a sensibilidade, com o "pós-folk" de "Camelo nas Levadas", o dedilhar incessante e incansável de "Poncha como o vento", e as reverberações exageradas e sinuosas de "Marraram as ondas, partiu-se o pontão", uma epopeia em menos de 7 minutos àquele que é Filho da Mãe - um tema que nos deixa ao abandono para mais tarde nos vir buscar, um tema que é perder para de novo encontrar, um tema que castiga para mais tarde abraçar e que se destaca como o melhor momento deste disco. De uma maneira pouco comum, "Casa", a última "música" do disco é talvez a que nos soa mais familiar, uma gravação de campo com lugar que chegue para o íntimo.

Como não há maneira de o pôr sem soar bajulador, digo-o de uma só vez: este é o melhor trabalho que Rui Carvalho, em todas as suas incarnações, produziu. É simultaneamente sensível e agressivo, com uma premonição sobre-humana para saber o que é preciso em cada momento para que as frases musicais se concretizem em temas concretos. Esta água pode não ser boa de nome, mas faz-nos tão bem.

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